quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Caminho

"O mestre Don Juan, manda Carlos Castanheda ir ter com um feiticeiro que tem a capacidade de transformar a percepção de qualquer criatura. O feiticeiro permite que Castanheda se sinta exatamente como uma minhoca.

E o que é que ele sente?

Uma enorme alegria e poder.

Em vez de ser a criatura minúscula e cega que uma minhoca parece aos olhos humanos, Castanheda sentiu-se como um bulldozer a empurrar para o lado cada grão de terra como se fosse um rochedo: era poderoso e forte.

Em vez de dar a sensação de um trabalho servil, a escavação da minhoca era causa de exaltação, a exaltação de alguém que podia deslocar montanhas com o seu corpo.

O caminho tem esta mesma capacidade do feiticeiro.

Reduz-nos ao tamanho de uma pequena formiga na face da Terra. Com a perspectiva longínqua e magnífica da grande montanha que temos pela frente ou a longa planicie com o vento contra.

Carregando apenas o essencial para nos mantermos vivos, (água e comida) e confortáveis, (muda de roupa e saco cama).

O peregrino, quão pequeno ser, face ao Todo, adota a visão da formiga que forte se sente capaz de carregar dez vezes mais que o seu peso e qual mau tempo, sol escaldante ou dores, enfrenta a montanha corajosamente.

E esta coragem ( que surge no caminho, como que uma dádiva), só se dá e só acontece a quem se disponibiliza (para) a percorrer o caminho.

E o caminho não é um percurso para fazer de btt, a curtir as paisagens, as curvas e as descidas perigosas.

O caminho transcende todo esse percurso fisico (coincidindo com ele geograficamente, sinalizado pelos montículos de pedras deixados para marcar o caminho).

O caminho não são as pedras gastas do chão, calcorreadas pelos peregrinos ao longo de dez séculos. Não são as árvores que deram sombra aos primeiros peregrinos corajosos que seguiam as estrelas ( caminho das estrelas como é apelidado) e que ainda nos acolhem do sol escaldante.

O caminho está para além dessa realidade táctil, numa dimensão que só se atinge quem se disponibiliza – de alma e coração – a caminhar nesse sentido e a essa altura, a esse nível.

Está muito acima do empurrar os pedais para subir a montanha.

Trata-se de um caminho espiritual que acontece dentro de cada peregrino e que uma vez escolhido percorrer, nos eleva à condição da formiga, que fortíssima consegue mover dez vezes o seu peso."


O Caminho - Dez. 6, 2008
Texto de Lúcia F. B. Franco

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Peregrinos



Peregrinar é um ritual comum à imensa maioria das religiões. Uma jornada empreendida, por motivos religiosos, a um lugar considerado de algum modo sagrado ou milagroso. Dá-se o nome de “peregrino” ou de “romeiro” a todo aquele que toma parte numa viagem dessa natureza, no entanto passou-se a denominar, ao longo da história, que “peregrino” é o que vai a Santiago de Compostela, “palmeiros” os que vão a Terra Santa e “romeiros” os que vão a Roma.


Ao longo de toda a história, o Cristianismo foi marcado por algumas importantes peregrinações, a de Abraão buscando o que Deus havia lhe anunciado, a do povo de Israel, que peregrinou por quarenta anos pelo deserto para fugir da escravidão imposta pelos faraós do Egito e até mesmo de Jesus, que peregrinou de Nazaré ao rio Jordão, onde foi batizado (Mc 1,9) e da Galileia a Jerusalém, onde sofreu a paixão e foi crucificado (Lc 9, 51).

O desenvolvimento do caminho de Santiago se deu quando a Europa viu sua identidade e cultura ameaçadas pelo avanço dos muçulmanos. A peregrinação ao recém descoberto túmulo do primeiro Peregrino cristão do Ocidente foi a forma encontrada pelos europeus de reafirmarem sua fé.


Caminhos na Europa para Santiago de Compostela
Com todo esse movimento vindo de vários pontos da europa foi se estabelecendo a necessidade de uma infra-estrutura para atender e dar proteção aos peregrinos, sendo instalados os primeiros locais de hospedagens gratuita nos principais mosteiros, criando-se hospitais e cemitérios, erguendo-se pontes, construindo-se igrejas, instalando-se mosteiros e abadias e, o mais importante, fundando-se uma infinidade de núcleos de povoação ao longo da rota.

Com o aumento no número de peregrinos, junto com os fiéis vieram também ladrões, salteadores de estradas e todos os tipos que, com sua esperteza, abusavam da boa fé dos andarilhos. Nessa oportunidade para manter a segurança do caminho, criou-se em 1170 a “Ordem dos Cavaleiros de Santiago”, cavaleiros encarregados da vigilância da rota através da Espanha. A “Ordem dos Templários”, um pouco mais antiga, e com a mesma finalidade de proteger os lugares santos, veio também mais tarde proteger o Caminho.
Castelo Templário de Ponferrada
Desde então, multidões de peregrinos anônimos vêm percorrendo este caminho mágico, o único no mundo que não se formou por motivos comerciais. Vários daqueles que deixaram o nome na história, como Carlos Magno, El Cid, São Francisco de Assis, Fernão de Aragão e Isabel de Castela, também percorreram o caminho.

Os peregrinos são pessoas que estão sempre em movimento, passando por territórios alheios em busca de uma interação, clareza, um destino para o próprio espírito, para que este possa apontar o melhor.


Breve Missiva de um Peregrino


Sou um peregrino
não tenho nada
e nunca tive
nada trago
nada levo
além da certeza
que não sou nada
além da esperança
de ser melhor 

A Verdade é a Tua Palavra
o meu cajado também
por amor a Ti
o mundo me persegue
eu prossigo nesse caminho
que me levará à Tua morada 

A minha estrada é o Caminho

Peço, humildemente
que tenha sentido
os prantos e sorrisos até aqui
que tenha sentido a senda
que neste momento de decisão
lanço os meus passos
e a minha vida

E lá no fim que não vejo
mas almejo
espero encontrar nesse Caminho
a Verdade
e a Vida.

Anônimo
Extraído de http://geocunha.blogspot.com

domingo, 8 de agosto de 2010

História do caminho de Santiago de Compostela



Santiago de Compostela
O Apóstolo Tiago “Maior” filho de Zebedeu e Salomé, pescador, irmão de João, o evangelista, foi um dos quatro primeiros discípulos de Jesus, um dos preferidos de Cristo, pertence ao grupo dos íntimos. A palavra latina para Santiago é Iacobus de onde vem a palavra Jacobeu (Iacobeu em Latim e Xacobeu em Galego) que é utilizada para definir algo referente ou pertencente ao apóstolo ou ao seu culto. 

Segundo a lenda católica, após a dispersão dos Apóstolos pelo mundo, Santiago foi pregar em regiões longínquas, passando algum tempo em Espanha, na Galiza. Sua ida à Espanha seria para cumprir o mandamento de Jesus: “vai e predica a todas as gentes, desde o princípio até o fim do mundo”. Coube a Santiago desta forma, com o seu caráter impetuoso e decidido chegar até “Finisterra”, local situado na Galícia e considerada “o fim do mundo”.
Gravura representando a translação
do corpoem uma carroça puxada por bois
selvagens que foram amansados  pelos
discípulos de Santiago, Tarcísio e Atanásio

Quando voltou à Palestina, no ano 44, foi preso e decapitado, a mando de Herodes Agrippa I, filho de Aristobulus e neto de Herodes o Grande. Dois de seus discípulos, Teodoro e Atanásio, roubaram o corpo do mestre e embarcaram-no (num barco com tripulação angélica) e em sete dias chegaram à Galiza e a Iria Flávia onde o sepultaram, secretamente, num bosque de nome Libredón.Não há certezas quanto à data da descoberta do sepulcro apostólico, mas a maioria das fontes católicas apontam datas entre 813 e 820. A lenda conta que um ermitão do bosque de Libredón, de nome Pelágio (ou Pelaio), observou durante algumas noites seguidas uma “chuva de estrelas” sobre um monte do bosque. Avisado das luzes, o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, ordenou escavações e encontrou uma arca de mármore com os ossos do santo e dos seus discípulos.
Mas já muito antes da data apontada pela igreja para a descoberta da tumba do apóstolo, existia uma rota de peregrinação (romana e anteriormente celta), que ia do extremo Este ao Oeste de Espanha, até Finisterra. Este velho caminho de peregrinação, simbolizava a viagem do sol de Oriente para Ocidente, “afogando-se” no oceano para voltar a surgir no dia seguinte. O renascer do Sol estaria intimamente ligado com o renascer da vida; fala-se também de uma rota para o templo de Ara Solis em Finisterra, erigido para honrar o Sol. Hoje em dia, são muitos os peregrinos que chegando a Santiago resolvem continuar o Caminho até Finisterra o que põe em causa a definição da rota apenas como uma peregrinação religiosa católica.

No "Campus Stellae" – de onde se crê provir a palavra Compostela – foi erigida uma capela para proteger a tumba do apóstolo que se tornou um símbolo da resistência cristã aos ataques dos mouros. A partir do ano 1000 as peregrinações a Santiago popularizam-se, tornando-se a cidade num dos principais centros de peregrinação cristã (a par de Roma e Jerusalém); é também nesta altura que surgem os primeiros relatos de peregrinos que viajaram a Compostela.

Catedral de Santiago de Compostela
No século XII é publicado o primeiro guia do peregrino (do Caminho Francês) – o Códice Calixtino (ou Liber Sancti Jacobi) atribuído ao Papa Calixto II, que proclama ainda que quando o dia do Santo (25 de Julho) é num Domingo, esse é um Ano Santo Jacobeu (com especiais bênçãos e privilégios espirituais para os peregrinos). Grupos de peregrinos começam a chegar de toda a Europa, desenvolvendo as cidades por onde passam, sendo o Caminho Francês o mais utilizado.